EPISÓDIO SECRETO…
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Capítulo Zero: Aviith Tenebris
Já era noite, no castelo onde um velho mago lia. Debruçava-se sobre antigos volumes de textos e tomos, decifrava runas de seus povos ancestrais na busca por um enigma nunca antes descoberto. Aviith era o nome deste mago, que apoiava em seu nariz as redondas lentes de seus óculos. As horas corriam no relógio do porão de seu castelo e as velhas páginas dos livros não se passavam conforme o tempo. “Corvus Tenebris” era o nome do livro cujo o tempo dedicava, e nele (dentre densos textos) apresentavam-se curiosos desenhos de um guardião emergindo de um pentagrama circunscrito no chão.
-Mas o que isso significa?- perguntava o velho a si mesmo enquanto lia -Nunca vi, em minha vida, texto não confuso como tal – dizia Aviith em sua meio loucura.
Sucessivas horas se passavam e, embora lesse e relesse sempre as mesmas páginas, nada poderia ser facilmente compreendido. Uma linguagem extremamente metafórica permeava aquele livro. Pior do que isso, uma palavra era suprimida sempre que o texto começava a descrever o ritual para conjurar o guardião.
-Pai, já está tarde. Que faz a essa hora aí?- Falou uma voz infantil, descendo as escadas do porão. Era o filho do mago Aviith.
-E tu, que fazes aqui?
– Estou com sede – Respondeu ele, sonolento.
-Ah… Claro, pegue de minha água e volte para a cama. Também irei dormir quando terminar a leitura.
O menino foi pegar a jarra d’água e o copo que estavam com o pai mas, ao escorar o braço no livro, o velho Aviith percebeu algo que não havia notado antes. O menino tinha repousado o braço sobre a folha perpendicularmente ao sentido das linhas, tampando o texto e mostrando uma faixa vertical da página… Faixa esta que continha as capitulares primeiras letras de cada parágrafo. O menino matou sua sede, despediu-se de seu pai e se foi. Aviith logo percebeu que as primeiras letras dos parágrafos formavam uma palavra… “onyx” era a palavra suprimida e “ônix” sua tradução.
Essa pedra era o material que deveria ser utilizado no ritual. Logo que percebeu isso, Aviith alegrou-se e cessou, momentaneamente, sua leitura. Decidiu que daria descanso aos seus fatigados olhos. A longa escadaria parecia eterna, mas finalmente alcançou seu quarto em passos lentos e pesados.
Na manhã seguinte, o mago Aviith abriu a janela esperando a luz do dia clarear o quarto, mas a densa neblina deixou apenas uma fraca luminosidade entrar. Após isso desceu a escadaria e fechou-se no porão, carregando uma pedra de ônix que trazia de seu quarto.
Desenhou, com tinta escura, no chão do porão um pentagrama circunscrito e ao meio dele posicionou o ônix. Tomou o livro em suas mãos e começou a ler os textos sagrados em latim, mas começou a suar frio quando ouviu o inesperado… Vozes estranhas sussurravam em seu ouvido palavras em uma língua desconhecida. Mesmo estando no porão, Aviith pôde sentir uma corrente de ar frio soprar em sua direção cada vez mais forte, juntamente aos sussurros que tornaram-se, gradualmente, gritos. O filho do mago abriu a porta para averiguar o que acontecia no porão.
-Pai!- Gritou o filho, distraindo o mago e fazendo-o olhar para ele.
Neste momento o ritual perdeu o controle, a vibrante pedra de ônix estilhaçou-se em cinco pedaços. Os quatro primeiros atingiram as paredes e caíram ao chão. Mas o quinto fragmento, que possuía forma de um pequeno dente, foi em direção ao filho do mago e o atingiu no braço. Tal fragmento alojou-se no interior das carnes do menino.
Em meio a gritos de dor, o mago Aviith logo foi em direção ao filho tratá-lo. Tomou, em seus braços, o corpo da criança e o levou para uma cama onde pudesse repousá-lo.
– O que houve?- Perguntou seu outro filho, curioso.
– Traga álcool e tecidos para tratar teu irmão!- Ordenou Aviith.
Assim foi feito. O mago averiguou muito a possibilidade de retirar o fragmento de ônix do menino, mas notou algo curioso. A negra cor da pedra se desbotara e a ferida começou, gradualmente, a fechar-se sozinha. Parecia que a carne havia abraçado o ônix para si… Como se a aceitasse sua presença.
Aviith desistiu então de continuar o ritual, aconselhou repouso ao seu filho, e foi para o quarto. Lá passou o resto do dia pensativo. O livro “Corvus Tenebris” dizia que um guardião nasceria ao fim do ritual… “Mas o que aconteceria se ele não chegasse a um fim? O que será que acontecerá agora?” pensava o mago. Pegou então o seu diário e escreveu:
“10 de março de 1810
O ritual de Corvus Tenebris falhou. O ônix se estilhaçou e atingiu meu filho, Samoht… Estranhamente, as carnes dele abraçaram a pedra aceitando-a. Oh, que será que acontecerá com ele?
Temos sangue sagrado de antigos magos. Reza uma lenda desconhecida que, aquele que extinguir-nos e beber nosso sangue tornar-se-á imortal… Cuidei para que ninguém soubesse disso, esta é a maldição da família Ongam. Mas agora que aquela pedra atingiu Samoht, que poderes ou maldições o atormentarão? Será que meu filho terá de aguentar o peso de duas sentenças?
Rezo para que aquele fragmento não tenha más propriedades. O sangue que corre nas veias dele já é o bastante, ele não merece uma segunda maldição.
Aviith Ongam”
O mago estava preocupado com as possíveis propriedades mágicas dos fragmentos de ônix. E foi com essa preocupação que no dia seguinte foi ao porão averiguar o que lá estava. Quando descia a escada para a sala viu seu filho, Samoht, brincando mais vivo do que nunca. Mesmo tendo sofrido aquela lesão a apenas um dia
– Que vais fazer hoje, Samoht?
-Meu irmão vai me ensinar um experimento de alquimia
-Ah, pois tome cuidado.- Disse ele, descendo para o porão.
Quando lá adentrou notou que três fragmentos haviam sumido… Mas um ainda estava lá. Uma fumaça negra saída dele como se estivesse queimando… Para a surpresa de seus olhos esta fumaça tomou foma humanoide e, gradualmente, tornou-se carnal configurando um ser um ser bípede e macérrimo, com corpo nú e coberto algumas poucas penas. No rosto daquela criatura apenas um sorriso mórbido sem lábios… Só isso e nada mais.
-Quem és tu?
-Não sabes quem sou? Ontem mesmo implorou nossa presença no teu mundo. Sou o Corvo do Norte!
-Então és o guardião que conjurei… Ah, quase me assuntei. Sei bem que os guardiões são leais ao seu mestre, então… Eis aqui tua tarefa: Quero que nos mantenha a salvo daqueles que buscam nosso nosso sangue.
– Não… Sou parte do guardião, parte do ônix e portanto… Parte de suas intenções. Sinto lhe dizer mas a obediência e submissão não ficaram em meu fragmento! Apenas a selvageria.- Falou o Corvo do Norte com uma voz rasgada e gutural. Aviith reagiu sacando um punhal e dizendo:
– Pois conjura tua sombra lá nas trevas infernais. Não terá, de nós, a imortalidade, deixa-nos! Não volta jamais!
As palavras do velho Aviith, no entanto, não tiveram efeito e foram suas últimas, com um único golpe ele foi degolado pelas unhas do Corvo do Norte. Então, esta criatura pôs em ação seu corpo transmorfo e, na forma de um corvo, saiu do porão em direção ao quarto de Aviith. Lá, ele leu o diário do mago.
– Então é verdade… Tornar-me-ei imortal se extinguí-los e beber seu sangue… Meus tolos irmãos corvos deixaram aquele porão sem rumo, mas eu não. É meu destino matá-los! É meu destino arrancá-lo o quinto fragmento de ônix! – Falou o corvo, convicto de que a imortalidade estava escrita em seu futuro.
O Corvo do Norte então, em forma de ave, esperou a noite e foi à sala observar o jovem Samoht fazer o experimento de alquimia. Ele o fazia mesmo sem permissão de seu irmão que se negava a ensiná-lo. Quando Samoht se retirou, o Corvo sabotou seu experimento substituindo os pós utilizados por pólvora e os líquidos por líquidos inflamáveis. Foi assim que o incidente do incêndio no Castelo Ongam aconteceu.
O Corvo, lambendo o sangue de Aviith em suas unhas, estava em um monte a observar o as chamas que varriam o campo e que o fariam imortal.
Mas Samoht não morreu. Este filho de Aviith fugiu a tempo e refugiou-se numa cidade ao Sul, onde seria caçado alguns anos depois…
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Este foi um prólogo da história “Memórias de um Nobre”. Este capítulo conta a história do Corvo do Norte e explica um pouco mais sobre aquela clara noite do incêndio, que tanto incomodava Samoht.
Agora que eu expliquei o início (capítulo zero: Aviith Tenebris) e o final (capítulo III: A pena do Corvo), a saga “Memórias de um Nobre” está acabada. No capítulo III Samoht lembra-se de tudo, logo o título “Memórias de um Nobre” perde sentido daí pra frente.
Posso até escrever histórias sobre ele, mas não terá mais este título e talvez Samoht não seja mais o personagem principal. Uma coisa é certa… Ficou meio aberta a parte da pedra de ônix no braço de Samoht, isso servirá de desculpa para uma nova história ^_^, e se você prestar atenção eu já falei desta pedra no capítulo II: Ruínas Gélidas. Vale a pena dar uma olhada neste capítulo novamente para perceber a referência à pedra de ônix.
Muito obrigado por ter lido até aqui e até o próximo post!
Thomas Magno
Uma consideração sobre “Memórias de um Nobre – Prólogo”